Lembro-me de que tinha compromissos já marcados, uma ida ao café com amigos para o habitual convivio em que risos e histórias recentes são trocados num clima de lembrança e união. Mas inesperadamente faltei.
Fui ter com Ela. Estava cegamente obstinado em confessar-lhe finalmente o que me consumia o coração. Simplesmente já me tinha tornado incapaz de suster o sentimento que permanecia num secretismo de silêncio absoluto à custa da minha mágoa e agonia. Só eu sei como me custava ve-la de longe e esbocar um sorriso enquanto tudo o que mais queria era poder caminhar o mesmo trilho que ela de mãos entrelacadas, ou mesmo as mensagens que tinha de re-escrever vezes sem conta pois à minima distracção continham palavras proibidas de serem vistas ou escutadas por revelarem em pleno todo o meu afecto.
Enquanto me dirijo para o destino marcado tento controlar o meu nervosismo inspirando lentamente, a pulsação acelerada que me fazia tremer que nem varas verdes e a vergonha do possível não que quase me empurrava novamente para casa e me incentivava a inventar uma qualquer desculpa esfarrapada para adiar este dia. Só que não podia adiar mais. Estava possuido pela imagem do seu sorriso, pela graciosidade do seu minimo gesto e da ternura com que dizia cada uma das suas palavras, autêntica música para os meus ouvidos. A sua imagem assombrava a minha mente, como se de um lembrete amaldiçoado se tratasse, confinando qualquer acontecimento a cinzas pois o que realmente me interessava era Ela.
Murmurando sozinho, tentava rabuscadamente delinear o que teria para lhe dizer ou, não fosse a tempestade de nervos que se tinha abatido em mim, por-me a gaguejar quando tentasse falar.
- Eu... Am... Sabes, é que já não dá hmm... para aguentar. Ok, desculpa. Vou tentar ser directo...
Porra! - Foi a única palavra que consegui dizer sem hesitar e, também, a minha conclusão. Não valia a pena tentar decorar nada para dizer porque simplesmente não estava a conseguir faze-lo.
Ao me aproximar do destino, um café perto de sua casa, tento encontrar a sua silhueta à porta enquanto contrariava os últimos impulsos de receio e constrângimento que toda essa situação me causava. Mas não vi ninguém.
- Ok, Ela não está. Vim beber café sozinho... Mas ao menos evito contar-lhe. - Pensei.
Entrei no café. Ao olhar de esgar para o fundo do salão avistei a sua silhueta. Surpreendentemente ela já lá estava, apesar de me ter confessado antes que provavelmente iria chegar atrasada. Estava sentada numa das mesas mais distantes a beber um fumegante chocolate quente. Ao cumprimentar o empregado de balcão, olhei novamente de relançe para Ela. A sua cara tenramente branca em nada diferia da com que eu sonhava todos os dias. Os seus olhos cor de mel fixavam a sua ternura em mim, o seu cabelo caía-lhe sobre os ombros, moldando-lhe aprimoradamente o rosto e os seus finos lábios revelavam-se uma tentação para os meus, que lhes desejavam há muito tocar.
- Olá, estou aqui! - Nunca tão poucas e doces palavras me fizeram tremer tanto por dentro. Por instantes ressoaram na minha cabeça, abstraindo-me um pouco do momento mas rápidamente me trouxeram à realidade como um choque assim que me dirigi na sua direcção.
Cumprimentei-a na face, inalando o cheiro suave do seu perfume, puxei uma cadeira e sentei-me em frente a ela. Tinha chegado o momento que eu, numa contradição de sentimentos, tinha provocado. Ao sentar-me tinha posto um ponto final na minha jura de partilhar com Ela toda a minha paixão, mesmo que Ela a renegasse.
- Olá. Então tudo bem? - Tinha conseguido ganhar uns segundos para me habituar à ideia e me por mais à vontade perante ela.
- Sim. E contigo? Tudo bem? - Esta simples frase soou como o fim da minha dolorosa contagem decrescente.
- Não. Hoje não está infelizmente...
- Então porquê? Passa-se alguma coisa? - Se não tivesse sido Ela a dize-lo, provavelmente eu teria ironicamente respondido "Não. Eu estou mal porque não se passa rigorosamente nada!". Mas naquele momento saiu-me:
- Passa-se. Eu tenho algo para te dizer e espero que não leves a mal. Eu sinto algo por ti. - Num ápice pensei em dizer apenas um "gosto de ti", só que
pareceu-me algo infântil para a ocasiâo. - É algo que já sinto há algum tempo e que tem mexido muito comigo.
Desculpa confessar-te mas, não consigo evitá-lo. É mais forte que eu. És alguém que desperta o melhor que há em mim, se descrevesse o que me está a passar pela cabeça agora perdia-me em palavras. Não consigo encontrar razão para a tua lembrança me dominar desta forma. Acho-te verdadeiramente única. Pela tua forma de ser que me alicia a querer cada vez mais a tua companhia. Pelas tuas atitu...
Ela abre a boca para falar quando eu já tinha colocado as minhas mãos sobre a dela e pensava "É agora! Está chocada comigo e nunca mais me vai olhar na cara!".
- A sério? - Os seus olhos abriram-se de espanto mas não a notei hóstil para minha completa surpresa.
- Estou a falar a verdade.
- A sério que sentes isso? Eu nunca suspeitei de nada disso...
- Sim. Sempre escondi pois tinha medo de to confessar. Mas não conseguia mais carregar o fardo da dúvida de continuar calado.
- Não...
- Merda!! - Pensei
- Não... Não sei o que dizer. Deixaste-me sem palavras! - Confessou-me Ela enquanto eu via as suas bocechas a ganharem um ligeiro tom rosado e ela permanecia incrédula com o que tinha acabado de ouvir.
- Desculpa ter sido tão directo - Rematei enquanto suspirava de alivio pelas palavras que sucederam os seus repetidos "não". - Não quero que te sintas mal por isto. Mas simplesmente tinha de to dizer, espero que compreendas a minha parte.
- Não precisas de pedir desculpa... Tenho algo a confessar-te.
- O quê? - Respondi admirado. Ela teria algo para me confessar numa altura daquelas? Não estava minimamente à espera de confissões da parte dela naquela situação.
Assim que me aproximo um pouco mais d'Ela para a poder escutar com atenção, Ela inclinou-se suavemente na minha direcção fechando os olhos e, numa fracção de segundos, percebi o que me esperava. Fechei os meus olhos lentamente ainda com as minhas mãos por cima das d'Ela e fui por fim de encontro à sua boca.
Decorreu um longo, lento e demorado beijo em que as nossas linguas se debateram sem pressas como duas espadas numa tenra luta de sentimentos revelados como eu já há muito desejava. Encostei a minha mão à sua cara e acariciei-a sentindo toda a sua suave pele e, assim que abri os olhos e nos afastámos ligeiramente um do outro contemplei os seus olhos que se assemelhavam a dois pequenos mundos onde eu tinha acabado de me perder sem mais querer encontrar o caminho de volta.
- Tu... - Proferi suavemente ainda atrapalhado por ter voltado a mim daquela breve viagem.