Ditadores argentinos condenados por roubo de crianças

06-07-2012 20:52
Os ex-Presidentes foram responsabilizados criminalmente pela “prática sistemática e generalizada de subtracção, retenção e ocultação de menores de idade”: mais de 400 crianças que, durante os anos da ditadura, nasceram na prisão e foram retiradas às mães, prisioneiras políticas do regime.
A sentença será acrescentada à pena perpétua que ambos estão a cumprir, por crimes contra a humanidade praticados durante os seus governos.
Com este veredicto, o Tribunal Oral Federal de Buenos Aires põe fim a um mega-processo sobre um dos crimes mais silenciosos da ditadura, que mais feridas abriu na sociedade argentina, e que demorou mais de 15 anos a ser julgado.
O tribunal deu como provada a denúncia apresentada pela organização das Avós da Praça de Maio no final de 1996, estabelecendo que o rapto de crianças para serem educadas por “boas famílias” militares, se tratou de uma política deliberada – um capítulo do “plano geral de aniquilação lançado sobre parte da população com o argumento de combater a subversão”, diz a sentença.
À porta do tribunal, centenas de pessoas que assistiam à transmissão em directo da sessão num ecrã gigante, reagiram com aplausos, lágrimas, gritos e cânticos às palavras da presidente do colectivo, María del Carmen Roqueta.
Entre elas, Macarena Gelman, criada por um agente da polícia no Uruguai, classificava a decisão como “histórica, um sinal da justiça e do progresso da Argentina”. Os seus pais foram detidos em 1976: a mãe levada para uma prisão clandestina no Uruguai e desaparecida desde então, o cadáver do pai encontrado num rio.
Os juízes ouviram mais de 200 depoimentos dando conta de histórias semelhantes. Um dos que mais impressionou foi o da filha de Cecília Viñas, desaparecida em 1977, quando estava grávida de cinco meses. Em 1983, a mãe começou a receber telefonemas da filha, também chamada Cecília – conversas muito breves, que provavam que a filha ainda estava viva e que por isso começou a gravar. Numa das oito chamadas, Cecília perguntava pelo paradeiro do seu filho: a fita, reproduzida no tribunal, é reveladora da surpresa e o choque de mãe e filha, ao perceberem que nem uma nem outra sabiam nada da criança. “É a única coisa que me resta dela, um fio de voz numa gravação, a perguntar pelo menino, se era eu que o tinha...”, resumiu a avó.
Jorge Videla, que contestou a autoridade do tribunal e assistiu impassível à leitura da sentença, recusou qualquer responsabilidade no alegado plano de apropriação de crianças e classificou os bebés roubados como “danos colaterais” da guerra da ditadura contra os dissidentes de esquerda que apelidou de terroristas
“O que é certo é que todas as parturientes aludidas pelo processo eram militantes activas da máquina do terror, e muitas delas utilizaram os seus filhos embrionários como escudos humanos no momento de operar como combatentes”, declarou.
Os antigos generais e chefes do governo militar eram os nomes mais sonantes de uma lista de arguidos também ligados ao antigo regime. Um deles, Jorge Eduardo Acosta, conhecido pela alcunha “El Tigre”, dirigia o centro o centro clandestino de detenção e tortura de Buenos Aires, instalado na Escola Superior de Mecânica da Armada (ESMA), de onde normalmente só se saía para a morgue – supõe-se que mais de 5000 pessoas tenham passado por ali antes de “desaparecer”. Foi condenado a 30 anos de prisão. Dois dos seus funcionários, Juan Antonio Azic, agente dos serviços secretos, e o obstetra Jorge Magnacco, receberam penas de 14 e 10 anos, respectivamente.
Santiago Riveros, director do hospital militar Campo de Mayo, cumprirá 20 anos de prisão, e Antonio Vañek, vice-almirante destacado em Washington, foi condenado a 40 anos.
Finalmente, Susana Inés Colombo, ex-mulher do poderoso capitão Victor Gallo, foi punida com uma pena de cinco anos. Os juízes consideraram que a mulher sabia que um rapaz que o marido trouxe para casa, dizendo que tinha sido abandonado no hospital militar de Campo de Mayo, era na realidade filho de desaparecidos.O menino, Francisco Madariaga, agora com 34 anos, foi um dos queixosos do processo: conseguiu encontrar o seu pai e recuperar a sua identidade há dois anos, através da realização de testes genéticos.
Desde que as Avós da Praça de Maio começaram a investigar os desaparecimentos dos seus filhos e o roubo dos seus netos, já foram “resgatadas” 105 crianças – dessas, só cinco ainda puderam conhecer os seus pais biológicos.
Mais de 300 famílias depositaram amostras de ADN no Banco Nacional de Dados Genéticos na esperança de reencontrar os seus entes queridos.
O general Jorge Rafael Videla é muitas vezes descrito como “o ditador mais cruel da América Latina”. Chegou ao poder em 1976, na sequência de um golpe de Estado, e o seu revolucionário “processo de reorganização” do país ficou marcado pela violenta repressão dos opositores políticos – detenções ilegais, tortura e assassínios. Mais de 30 mil pessoas desapareceram durante o seu governo, estimam organizações de defesa dos direitos humanos.
Julgado por terrorismo de Estado e condenado a prisão perpétua, em 1985, foi indultado cinco anos mais tarde. Em 2010, a declaração de inconstitucionalidade das leis de perdão e indulto pelo Supremo da Argentina abriu a porta a uma nova acusação, pelos crimes contra a humanidade da ditadura argentina. Foi condenado a prisão perpétua, tal como Reynaldo Bignone, o homem que assumiu o governo depois do seu afastamento, em 1982, e que representa já o estertor do regime, depois da derrota contra o Reino Unido na guerra das Malvinas/Falkland. Antes de dissolver a junta militar e convocar eleições, em Outubro de 1983, Bignone mandou destruir todos os arquivos relativos às detenções, torturas e outros crimes da chamada “guerra suja” de Videla.

 

In Público


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